O MODELO FALIMENTAR DO BRASIL
- SRamalho
- 18 de dez. de 2021
- 5 min de leitura
Quando eu era criança no interior, meu pai trabalhava para um maçom chamado Irapuã Sobral (Seu Irapuã, como o chamávamos); e no interior os maçons não eram bem vistos, pois havia a crendice que eles tinham um pacto com o diabo para adivinhar as coisas; hoje como maçom sei que não conseguimos adivinhar nem o que vamos comer no almoço ou no jantar.
Mas verdade seja dita, eu sempre cresci com um certo “sexto sentido” para algumas coisas.
Por volta de fevereiro para março de 2021 quando saiu a notícia de que a Itapemirim iria constituir uma empresa aérea para voos domésticos, aqueles dentro do território brasileiro, eu copiei o link da reportagem e compartilhei em uma de minhas redes sociais como seguinte comentário: “Temos que ter uma reforma na legislação brasileira para se constituir empresas, pois esta empresa está em recuperação judicial e com dívidas junto a credores dos mais variados, inclusive com a União, Estados e Municípios, e agora vai constituir uma empresa para transporte de passageiros aéreos”.
Uma “amizade” minha foi lá e comentou que eu estava louco e que não sabia de nada. Ato seguinte ela foi lá e me bloqueou; acho que ela adivinhou que hoje, dia 18 de dezembro de 2021, eu estaria lhe dando uma resposta.
Mas vamos lá, depois voltamos ao caso Ita.
Para se constituir uma Empresa no Brasil basta seguir os dez passos que descrevo abaixo:
a) Definir o modelo de negócio e o nome da empresa;
b) Contratar um contador de sua confiança;
c) Escolher o tipo de empresa para abrir: MEI, ME, EPP, MÉDIO ou GRANDE PORTE;
d) Definir o Regime Jurídico da empresa: EI, EIRELI ou LTDA;
e) Escolher as atividades que será exercida;
f) Saber qual será o seu regime tributário: SIMPLES, NACIONAL, LUCRO PRESUMIDO ou LUCRO REAL;
g) Elaborar o Contrato Social com a participação dos sócios (se for o caso de ter sócios);
h) Separar os documentos necessários para o registro na Junta Comercial do seu Estado;
i) Obter o Alvará de localização e funcionamento; e,
j) Fazer a inscrição na Junta Comercial do seu Estado.
De todos estes itens, eu chamo atenção para duas coisas: primeiro, o alvará de funcionamento nem sempre é necessário, segundo o valor da inscrição na Junta Comercial varia de Estado para Estado, quem menos cobra é o Estado de São Paulo com R$ 300,00 (trezentos reais), já o Estado do Rio de Janeiro é o que mais cobra, sendo R$ 1.200,00 (hum mil e duzentos reais).
Agora, o que eu acho a maior aberração, é não se exige que tenha um capital social mínimo, ou seja, pode-se constituir uma empresa com qualquer valor de capital social.
E para que serve o capital social? Seria exatamente o valor para garantir a insolvência da empresa em caso de contrair mais dívidas que lucros, pagando seus credores e funcionários.
Eu conheço uma empresa que o capital social dela é R$ 250,00 (duzentos e cinquenta reais), isso mesmo.
O reflexo disso é que essas empresas quando passam por dificuldades, os seus sócios e donos apenas as fecham e deixam um rio de pessoas desempregadas e com credores sem receber por serviços ou produtos cedidos para tais empresas.
Pode parecer nada demais, afinal é só fechar a empresa que se constituiu, mas não é, pois além de se deixar pessoas desempregadas, cria-se um efeito dominó em toda cadeia produtiva, inclusive com esses empregados tendo que ser socorridos por ações do governo.
Durante os anos de 2020 e 2021, essa falta de exigência de um capital social mínimo para a sobrevivência das empresas teve reflexo direto na economia e nas ações do governo, pois pelo fato de que essas empresas não possuir capital social para se manter e pagar seus funcionários e credores durante a crise, o governo teve que buscar meios para socorrer a população, criando com isso a Auxílio Emergencial para bancar os desempregados da Pandemia.
Este fato ficará mais evidente neste período pós-pandemia da Covid-19, onde se fechou um rol imenso de empresas e estas não tinham capital social e os empregados irão bater às portas do Judiciário com ações trabalhistas para tentar receber alguma coisa, que não vai receber por falta de capital social da empresa.
E, o mais incrível é que o cidadão que constituiu uma empresa e esta foi a “falência”, fica livre para constituir outra sociedade empresária (empresa).
Agora voltemos ao caso Ita.
A Ita é o braço da Viação Itapemirim S.A., uma empresa que era quase que hegemônica no transporte rodoviário de pessoas, que foi fundada em 1953 e sobreviveu bem até o início dos anos 2015.
Deste ano em diante, a empresa meio que ficou parada nos anos 1970 e foi ultrapassada pelas novas empresas que foram surgindo.
Some-se a isso o fato de que seus sócios, vivendo exclusivamente da Itapemirim, mantiveram um padrão de vida pessoal que não condizia com a realidade da empresa.
O resultado foi o óbvio, em 2016 a empresa entrou com um pedido de recuperação judicial junto a Justiça do Estado de São Paulo.
Este artifício é legal na legislação brasileira pra empresas que não estão conseguindo cumprir com suas obrigações trabalhistas e com seus credores, sendo imposto uma série de condições para que saia da situação de insolvência para a condição de solvência.
Passados um pouco mais de 4 anos, a empresa continua em recuperação judicial, com credores pedindo na justiça o afastamento do seu presidente por incompetência administrativa durante a recuperação judicial, com funcionário buscando a justiça trabalhista para recebe valores que foram acordados, e mais ainda, sem pagar os salários dos funcionários em dia e sem o recolhimento do FGTS (Fundo de Garantia por Tempo de Serviços) destes.
Nesse cenário caótico, os sócios resolvem constituir uma empresa de transporte de pessoas via aérea.
Para a realização do “sonho” (eu diria do pesadelo), foram adquiridos 4 aviões Airbus A320; pelo que sei, as empresas estrangeiras não iriam vender 4 aviões para uma empresa em recuperação judicial por preço baixo ou financiado.
Outra forma para a obtenção de tais aviões é por meio de financiamento público através do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social).
Confesso que não tenho a informação de qual foi a forma como as aeronaves foram adquiridas, mas foram! Eu apostaria que foi via segunda opção.
O que é um absurdo, é que mesmo diante da recuperação judicial, os órgãos competentes, como Juntas Comerciais e a ANAC (Agência Nacional de Aviação Civil permitiram que se fosse constituída a empresa.
A realidade é que, pouco mais de seis meses após o início de suas operações em junho de 2021, a Ita ou Itapemirim, deixou de operar seus voos de um minuto para outro, deixando centenas de consumidores nos aeroportos com passagens nas mãos, mas sem aviões para voar.
Ou fazemos uma revisão geral na legislação brasileira, ou teremos mais e mais casos como este da Itapemirim, que se aventurou, como tantos outros, no verdadeiro sentido do meme que circula nas redes sociais; constitui-se a empresa BELEZA e PACIÊNCIA, ou seja, se der certo BELEZA, se não der certo PACIÊNCIA.
Quando se criou a Itapemirim, que na língua tupi-guarani que dizer “pedra pequena”, a ideia era exatamente esta, que ela fosse uma pequena pedra para transportar pessoas via terrestre; mas agora em 2021, pensaram que a pedra pequena poderia ser uma rocha, o que não foi e morreu ainda curumim sem nem completar um ano de vida.
José Salatiel Cordeiro Ramalho
Bacharel em Direito e em História com Pós-Graduação em História do Brasil
Gr.˙. 17
17 de dezembro de 2021
É o puro retrato de um país fadado ao fracasso institucional, onde uma falta de controle pelas agências "reguladoras" deixa e muito a desejar!